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No dia Nacional da mulher, conversamos com uma mulher que faz toda a diferença na produção e na divulgação do conhecimento científico, a professora doutora
Marialva Barbosa, que nos contou um pouco sobre a sua escolha em estudar jornalismo e a sua inserção na área acadêmica. Confira abaixo a entrevista na íntegra:
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-CN: O que te motivou a ter interesse nesta área?
MB: Fui fazer jornalismo ainda muito jovem e motivada como a maioria dos jovens, ainda hoje, pelo gosto pela escrita. Gostava de escrever. Formei-me em jornalismo e logo fui trabalhar na área. Dois anos depois de formada recebi um convite para ser professora da Universidade, para lecionar matérias de cunho prático. Foi assim que comecei, em 1979, e nunca mais parei. Continuei por um longo tempo, trabalhando em empresas jornalísticas e, ao mesmo tempo, dando aulas na Universidade. Só depois de fazer mestrado e doutorado, já na década de 1990, decidi ficar integralmente na universidade e me dedicar integralmente a carreira acadêmica. O gosto pelo estudo me levou aos caminhos da pesquisa.
– CN: Quando você decidiu trilhar pelos caminhos da pesquisa?
MB: Sempre gostei de estudar e na universidade você sente necessidade de estudar sempre. Era professora desde 1979, mas não era inicialmente pesquisadora. Era professora 20 horas, isto é, ia lá a noite dava poucas aulas e trabalhava também no mercado. Só depois de fazer mestrado e doutorado que segui os caminhos da pesquisa. Desde o início procurei alinhar a comunicação e a história, já que fiz mestrado e doutorado em história. seguindo a pós-graduação em história, os caminhos da pesquisa naturalmente se adensaram. A gente que trabalha com material histórico é alucinado por pesquisar em fontes, verificar documentos, ou seja, a magia das fontes. Isso também despertou em mim ainda mais o interesse pela pesquisa.
– CN: Quais são seus projetos em andamento?
MB: Estou escrevendo, terminando o meu livro sobre as práticas de comunicação dos escravos brasileiros do século XIX. Um projeto muito bonito e que adorei fazer. Queria terminar antes do INTERCOM RIO 2015,para lançar no Congresso do Rio, mas não sei se com todo o trabalho e atividades que estou tendo agora vai dar tempo. Estou também terminando o projeto integrado que tenho sobre os Jornais Manuscritos do Brasil e que vivará também um belo livro, com a participação de pesquisadores de vários estados do Brasil. E, por último, vou começar um projeto bem ambicioso que é escrever uma história da comunicação do (no) tempo presente. Mas esse ainda estou formatando e pensando. Vai sair nos próximos anos.
– CN: Existe algum teórico em que você se inspirou ou que você seja fã (podemos assim dizer)? Qual e por quê?
MB: Tem muitos, mas talvez o que eu goste mais seja Paul Ricoeur. Além dele o Robert Darnton. O primeiro por fazer uma reflexão espetacular sobre a dimensão humana da história. Sua reflexão é importante para se compreender o mundo em que vivemos, as questões relativas a vida e as transformações que ao viver produzimos. O segundo por ser um dos maiores historiadores do século XX e que estudou sempre a história do ponto de vista dos processos de comunicação, ainda que suas pesquisas se concentrem mais nas práticas e processos de leitura. Do Darnton há uma frase emblemática que deveria inspirar todos os pesquisadores: “fazer história é conversar com os mortos”. Do Ricoeur, fica também como uma espécie de lema: “nós somos o futuro dos homens de outrora”. As duas se completam. Perceber que no passado houve alguém que pensou os seres futuros quando eles ainda não existiam e que essas criaturas imaginadas éramos nós, nos dá uma dimensão e uma responsabilidade histórica imensa. Ao dizer que fazer história é conversar com os mortos, o historiador está demarcando a dose de imaginação que há em qualquer interpretação histórica, mas sobretudo que devemos nos imaginar inseridos no tempo que estamos estudando, para não cometer erros, o anacronismo de que fala os historiadores, isto é, imputar aos homens de outrora um conhecimento que eles não poderiam ter e, sobretudo, o conhecimento do que se passou daquele tempo em que eles viveram até os nossos dias. E fazemos isso seguidamente.
– CN: Hoje, você é uma referência para aqueles que pesquisam a história da comunicação no Brasil. Qual é o sentimento de ter suas obras citadas em trabalhos científicos?
MB: É muito bom saber que o que você pensa e estuda é útil para alguém. Não é questão de vaidade não. É saber que o que você produz serve para outros refletirem. Afinal, se estuda para se produzir transformações sociais e se o que eu escrevo está sendo útil do ponto de vista da construção científica, estou cumprindo o meu papel na vida.
– CN: Como foi ganhar prêmios como a Medalha Carlos Eduardo Lins e o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação?
MB: Muito bom. O reconhecimento é uma atitude muito boa e ter o seu trabalho reconhecido é ótimo. Sobretudo o Prêmio Luiz Beltrão me marcou muito, pois é o prêmio de maturidade acadêmica que a Intercom outorga todos os anosa uma pessoa a quem se reconhece a maturidade acadêmica. É o mais importante prêmio científico da área de comunicação. Fiquei muito feliz na época e até hoje tenho sobre a mesa de trabalho na minha casa a foto com os meus alunos naquele dia, depois de receber o prêmio, todos ao meu lado, eu segurando flores que eles tinham me dado (foi no Intercom de 2008 em Natal), eu feliz. É uma foto da minha memória afetiva de um momento muito especial. Vou lembrar sempre daquele dia.
– CN: Em relação à Intercom, qual a importância deste evento para os futuros comunicadores?
MB: O Congresso Nacional da INTERCOM é o maior congresso de comunicação do país e um dos maiores da área de Ciências Humanas. É um dos maiores congressos (se não for o maior) de comunicação do mundo. Reune desde os alunos de graduação até pós-doutores, ou seja, se caracteriza por ser plural, democrático, aberto aos debates amplos, etc. Por isso, é muito importante para os alunos de todos os níveis, e sobretudo para os alunos de graduação, já que é o único congresso da área em que os alunos de graduação podem apresentar seus trabalhos de natureza científica no Intercom Jr. e os seus trabalhos experimentais, no Prêmio EXPOCOM. Mas também é importante para os alunos de pós-graduação que podem partilhar suas pesquisas com outros pesquisadores, ver o que se está discutindo na área, etc. Os alunos tem experiências as mais diversas, desde oficinas e minicursos, até ver palestras de pesquisadores renomeados. Posso dizer que o congresso é de suma importância para os alunos de todos os níveis e para os que querem seguir o caminho da pesquisa, quando os que seguirão a trilha profissional.
– CN: O que a pesquisa científica pode agregar ao jornalista em formação?
MB:Muita coisa. Não existe prática sem reflexão. Portanto, não existe jornalismo sem pesquisa científica, ou seja, sem reflexão sobre a profissão, as suas transformações, o mundo e o contexto contemporâneo e suas transformações. A pesquisa é fundamental para adensar a reflexão e sem reflexão não há bom jornalismo.
– Em relação à liberdade de imprensa, como você enxerga este conceito hoje no nosso país?
R. A liberdade de imprensa é um dos valores mais caros aos jornalistas e um dos mais importantes para o exercício pleno da democracia. Em nosso país, hoje, vivemos um dos períodos de maior liberdade de imprensa, talvez seja mesmo o maior período de liberdades plena de manifestação de opiniões, pensamentos, o que é fundamenta para o exercício do jornalismo.
– Em relação às novas tecnologias: com base nas análises e estudos que você já fez sobre a história da comunicação, quais são as suas visões sobre o futuro dela?
R. É muito difícil para um historiador fazer previsões futuras, não existe muito essa possibilidade quando se pensa com um olhar histórico, mas vou arriscar uma interpretação. Sempre houve ao longo da história, a inclusão de tecnologias inovadoras nos processos de comunicação e posso mesmo dizer que a história da comunicação é a história da inclusão de processos tecnológicos para que houvesse mais eficiência no ato humano de comunicar. Nesse sentido, todas as tecnologias são construídas tendo em vista esse desejo de eficiência da comunicação (eliminando o espaço, encurtando distâncias, comprimindo o tempo, substituindo a comunicação em presença, pela comunicação em ausência como se fosse a presença, etc). Portanto, as tecnologias tem em conta isso, mas nem sempre ocorre da forma como inicialmente se pensou. Acho que hoje está havendo um processo generalizado de atualização do sentido do presente. Vivemos um presente estendido, no qual o futuro já está incluído. Não há mais futuro desejado, nem projetos para este futuro. A aceleração como vivemos o tempo, alargou o nosso presente e isso trás transformações para a vida de maneira exponencial. O imediatismo, a solidão dos indivíduos, a falta de esperança e expectativa, tudo isso são sintomas do mundo em que vivemos. Mas isso não é decorrente das tecnologias, elas fazem parte de uma paisagem mais ampla. Claro que a nossa relação com os novos aparatos tecnológicos favorecem, mas não são apenas as tecnologias que fazem isso. Assim, no futuro, acredito, haverá ainda mais próteses tecnológicas para que a comunicação em ausência (e cada vez mais em ausência) seja sentida como em presença, uma presença que não haverá. Acho que a principal questão não é a tecnologia, mas como a tecnologia e outros fatores interferem na forma como passamos a perceber a vida a perceber a vida. Parabéns a professora Marialva pelo dia nacional da mulher e pela sua contribuição com a área acadêmica.